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A publicidade é requisito essencial para o reconhecimento de União Estável homoafetiva?

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Por Isabella Schmidt Gervasoni. 

Apesar de sempre ter havido casais homoafetivos na história, a União Estável entre pessoas do mesmo sexo não era assegurada por lei até pouco tempo atrás, no nosso país e a nível mundial. Na Dinamarca, uma lei histórica publicada em 1989 reconhecia oficialmente a União Estável Civil entre casais homoafetivos, sendo o primeiro país no mundo a garantir tal direito por ato legislativo.

O primeiro casal homoafetivo a oficializar a União Estável já vivia junto há quatro décadas e tinha grande engajamento político na luta pelos direitos da comunidade LGBT. Foram os ativistas Axel Lundahl-Madsen e Eigel Eskildsen, que criaram a organização “Forbundet af 1948” (Associação de 1948) em defesa e reivindicação de direitos para a população LGBT, que congregava 1339 membros nos países nórdicos. O casal de ativistas comemorou a conquista histórica de sua União Estável unindo os dois nomes para a criação do sobrenome Axgil. Até o fim do ano de promulgação da lei, 270 homossexuais homens e 70 mulheres registraram suas uniões civis na Dinamarca.

Mais de duas décadas depois, no Brasil, o dia 5 de maio de 2011 garantiu uma conquista histórica para a população LGBT, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a ADI nº 4277 e a ADPF nº 132, que reconhecia o direito a oficialização de união estável por casais homoafetivos. A ADI nº 4277 reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, tendo os mesmos direitos e deveres de casais heterossexuais, sendo que a ADPF nº 132 garante que o não reconhecimento da união fere o princípio da dignidade da pessoa humana e a igualdade e liberdade previstas na Constituição Federal de 1988. Essa decisão assegurou a igualdade de direitos básicos dos casais homoafetivos de constituir família, garantindo também a facilitação da conversão de União Estável em casamento por determinação do Supremo Tribunal Federal.

Apesar disso, a implementação desses direitos foi dificultada pela ideologia heteronormativa que excluía a possibilidade do casamento homoafetivo, causando uma série de vetos aos pedidos de casamento homoafetivo até o ano de 2013, em que o Conselho Nacional de Justiça emitiu uma resolução proibindo que os cartórios vetassem o casamento ou pedido de conversão de União Estável em casamento para casais do mesmo sexo.

Reconhecer o direito da população LGBT+ de constituir família tem um impacto social simbólico no que diz respeito ao reconhecimento de sua existência e de igualdade de direitos, tendo também um impacto formal enquanto ato jurídico que estende à população geral os direitos antes reservados apenas aos casais heterossexuais, como a partilha de bens, inclusão de dependentes em planos de saúde, seguros, garantia de visitação em hospitais em caso de adoecimento, entre outros.

A União Estável é uma relação jurídica que se dá com a união de duas pessoas que convivem como se tivessem vínculo matrimonial. É ato-fato jurídico, ou seja, não exige qualquer manifestação ou declaração de vontade para produzir efeitos! Basta sua configuração fática para que haja aplicação das normas legais e, consequentemente, a relação fática passa a ser relação jurídica. Ou seja, a maneira de convivência com seu companheiro é uma relação fática, e desses fatos, se obtém a resposta jurídica.

Nessa perspectiva, apesar de a União Estável ser um ato-fato jurídico, ela também pode ser formalizada por meio de contrato particular ou escritura pública. O art. 1723 do Código Civil reconhece a União Estável como entidade familiar e revela os requisitos cumulativos para configurá-la:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Para que uma relação seja considerada União Estável, basta que ela seja pública, duradoura, contínua e com o objetivo de constituir família. A convivência pública significa que o casal precisa desfrutar da relação amorosa perante a sociedade, ou seja, a relação deve ser conhecida nos círculos sociais dos quais participa o casal e suas famílias.

A convivência contínua, entende-se que é a estabilidade, não sendo meramente casual ou com muitos términos. A lei não prevê um prazo mínimo de duração para configurar a União Estável, mas é entendido a necessidade de um período razoável. Lembrando que “morar junto’’ não é elemento indispensável à caracterização da União Estável. 

Contudo, dissolvida a União Estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. O último requisito, mais subjetivo, refere-se ao objetivo de constituir família. 

Embora o casal tenha planos de construir futuramente uma família, a intenção não é suficiente para configurar uma União Estável. É preciso que o casal tenha posto em prática tal objetivo, ou seja, já viva como se casados fossem.

A união homoafetiva envolve os mesmos direitos e deveres assegurados a um casal heterossexual. Isso significa que um casal homossexual pode celebrar um contrato de União Estável. Além disso, as normas que se aplicam para o casal hétero também serão válidas para o casal homoafetivo.

A equiparação tornou possível uma grande variedade de direitos para os casais que celebram a sua união estável homoafetiva. Alguns exemplos de direitos que ganharam espaço em decorrência disso ou então que foram garantidos a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal são:

  • Garantia de pensão alimentícia em casos de separação ou divórcio;
  • pensão por morte para os companheiros;
  • previsão de do companheiro constar como dependente em planos de saúde;
  • possibilidade de constar como dependente na declaração do Imposto de Renda;
  • direitos sucessórios;
  • licença-gala.

Porém, como podemos aplicar o reconhecimento de União Estável para casais homoafetivos baseando a decisão na convivência pública?

Muitos homossexuais não vivem plenamente sua vida afetiva com medo, especialmente da rejeição e dos julgamentos por parte de amigos, familiares e conhecidos. Por exemplo, em famílias em que não há uma visão aberta e de aceitação da orientação sexual de qualquer pessoa, o mais comum é que o homossexual não torne público seu relacionamento, por medo de ser marginalizado e discriminado. Para muitos homossexuais é difícil tornar o relacionamento público, por medo de ser uma decepção para as pessoas à sua volta.

Nos tempos atuais, em que a livre expressão é ampliada pela internet e as redes sociais, assumir a homossexualidade poderia abrir as portas para julgamentos, ataques homofóbicos e de ódio. As recorrentes agressões e perseguições a homossexuais não deixam de aumentar o medo de assumir sua sexualidade, logo, muitas vezes o relacionamento não é público. 

Por esse motivo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal flexibilizou o requisito da publicidade e reconheceu a União Estável de um casal homoafetivo que não divulgou a relação para todas as pessoas do convívio. A decisão é de segunda instância e foi tomada pela 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Pensar o contrário importaria tomar o requisito da publicidade como barreira ao reconhecimento de uniões homoafetivas, no que tange ao cumprimento dos requisitos da convivência pública e do objetivo de constituir família previstos pela norma material. A falta de maiores evidências públicas, o desconhecimento familiar acerca da relação e o fato de as partes apontarem estado civil “solteiro” em instrumentos contratuais não são elementos suficientes a descaracterizar a união, a qual, repita-se, é uma situação de fato.

Segundo o entendimento dos desembargadores que analisaram a ação, no caso de relações homoafetivas, esse aspecto não pode guiar inteiramente a tomada de decisão: “Para provar uma união estável entre pessoas do mesmo sexo, a divulgação do relacionamento não deve ser exigida com o mesmo rigor das relações heteroafetivas”, dizem  os Magistrados.

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Tags :
casamento gay | casamento homoafetivo | direitos LGBT | união estável homoafetiva

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